Amor em dois
atos
A
lâmpada do nosso abajur, já fraca, clareia timidamente a mesa onde tem você:
cartas, textos, projetos, ideias… De novo, só a caneca de café – agora frio –
que teima em pousar sobre suas coisas, como que para me fazer lembrar onde
passei a noite. Alguém não dormiu… Alguém não dorme há muito tempo. Teria você
decidido ficar?
O papel amarelado dos envelopes não
abertos fica mais áspero a cada dia. Várias cartas, nenhuma sua. Como queria
que fossem! Castigo meus dedos passando-os por cada traço do papel. Quanta
injustiça há em cada palavra dita e escrita. O instrumento de cordas repousa
desafinado, ao lado de discos que costumávamos ouvir; e rio, ao achar “Beatles”
por ali… Uma lembrança das várias brigas travadas entre você e “Lennon” me
enche de saudade. Mas hoje não. Hoje a vitrola não faz seu chiado costumeiro. A
agulha não percorre discos… Está desligada.
O
silêncio aqui é evasivo, é triste; e ao contrário do que se espera, é cheio.
Cheio das nossas promessas não cumpridas, do carinho negado, e do cheiro de
solidão. Tenho medo de ficar aqui sozinha, amor, vivendo entre os fantasmas do
nosso romance; mas ao mesmo tempo, me falta coragem para deixar nossa história
aqui, como você fez, e partir pela mesma estrada em que vim. A diferença, é que
agora não tenho bagagem…
Sofro
e vou só.
Sofro
e sou só.
Sou
você em tudo o que falo e ouço. Sou você, porque também não gosto de
despedidas… Não gosto do último beijo, do último abraço. Não gosto do aperto de
mãos. Mas, esqueço o quanto você insiste em ir e voltar. Esqueço o quanto você
chega invadindo tudo, e o quanto é curto o tempo em que você está. Esqueço que
não tenho mais você pra enfeitar a vida, ou pra perfumar o jardim… Afinal, você
sabe que as flores aqui crescem só de te ver chegar. Amor, pulamos de cabeça e agora
não sei como voltar… Não sei se quero voltar. Quero apenas sentir o vento no
rosto, e fingir que esqueci que já te perdi.
Já é tarde, e não somos nós que sorrimos
nas fotos em preto e branco espalhadas em um canto… São desconhecidos que me
olham aprisionados em recortes de coisas que achávamos interessantes. Agora,
são só figuras tristes, esperando para serem recolhidas e comentadas em um dia
qualquer. A janela entreaberta deixa a mostra um céu com estrelas mil. Não me
incomodaria de trazê-las, meu bem, se isso te fizesse mais feliz. Respiro o verão
que há lá fora, pois aqui dentro, sem você sempre será inverno, e então, me
permito sofrer um pouco mais. Alguém que caminha na rua, canta alegremente um blues, e eu o invejo. Anda tão
distraidamente, que mal percebe os pingos de chuva que começam a cair… e se
percebe, não se importa com eles. Chuva? Sim, talvez pela saudade e pela ausência.
Então me agarro a coisas suas, como se quisesse colocá-las ainda mais dentro do
peito, e choro. Mas hoje posso… Posso, porque acho que dessa vez, você não
volta.
Ei, amor! Se eu te procurar, diga “não”.
Mande-me embora, assim como você foi, pois não quero mais sentir saudade do seu
abraço, e nem quero saber que sente saudade dos cachos do meu cabelo repousados
em seu peito.
Os livros na estante acumulam poeira e
anotações que você não chegará a ler. Entre histórias de Romeu e Julieta, estão textos antigos que não cheguei a terminar. Minhas
esperanças de que você pudesse ter escolhido ficar já se esvaíram. Sua escolha
já foi feita, e eu sofro, porque no fundo, sei que não escolheu a mim.
(
C. Chriss - 09/11/2012 – 01:29h )
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