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sábado, 17 de novembro de 2012

Sonho na estrada Maria H³


Sonho na estrada Maria H³


        Não aguentei esperar que você sentisse a minha falta e voltei. Voltei antes do tempo esperado e tudo continua do mesmo jeito. Voltei sem pedras nas mãos, juro. Mas as que encontrei no caminho, me machucaram e fizeram sangrar o meu peito.
        Além de pedras, encontrei um novo moço. Moço bonito de traços ocultos, cujos olhos eu quis admirar e rir, só pra ver se me pertenciam. Parecia você… Só que mais tímido, e com os cabelos longos bagunçados encantadoramente. Evitava meu olhares, desviando para o chão a todo tempo, e o seu rosto ficava rubro, toda vez que eu insistia em repará-lo. Tinha os cabelos salpicados de chuva como o meu, e ar de pressa, como se sempre tivesse algo mais importante a fazer. Por um momento, me pareceu que em seu peito houvesse um coração angustiado, e sem motivo algum, tive certeza de que era por minha causa. Não me evitava a toa… havíamos nos magoado. Então, limitei-me a sorrir e assentir, ouvindo-o falar com pausas musicais, vacilos na voz e opiniões contrárias as que eu esperava. Mas era puro, e carregava sinceridade consigo. Levava às mãos a boca continuamente, como se pensasse ter dito alguma besteira, ou como se tivesse se esquecido de que eu continuava ao seu lado o ouvindo falar. E então eu sorri ainda mais sinceramente, ao ver suas meias coloridas em tons de azul e branco, e me perguntei, o que faria tão lindo moço usar meias coloridas.
        Confesso que voltei para vê-lo, sem acreditar que o encontraria. Mas lá estava ele, moço estranho e sorridente, que escondia os seus lindos olhos atrás de lentes circulares e se autodeclarava distraído. Tão distraído, que mal percebeu que eu o buscava e o seguia em toda parte, ansiosa para lhe dizer que estava ali por sua causa. Isso não foi dito a ele, e sei que nunca chegarei a dizer. Os cabelos continuavam salpicados de chuva, negros como os olhos, como a camiseta que usava… como a noite que mal havia começado. Conversava com amigos alegremente, enquanto eu o observava cheia de perguntas. Parecia totalmente protegido da música e do ambiente, que não combinavam em nada com aquele corpo que ali estava. Encantei-me por olhos que me lembravam os seus, meu bem, e pela possibilidade de amar alguém que não fosse embora a todo tempo. Mas ele não me pertencia, assim como acho que você e o seu amor já não me pertencem.
        E então retomei a estrada. Havia me esquecido que pretendia voltar. A noite me engolia a cada passo, e o coração se acelerava com a lembrança da nossa casa, que vazia, esperava ansiosa para me acolher. A chuva fina me acompanhava no regresso, molhando os cachos do meu cabelo, que caíam como uma cortina negra em meu rosto, e eu não me incomodava. Voltei cheia de histórias, de sentimentos novos que recolhi, e sorrisos sem graça alguma.
        Eu estava certa, a casa permanecia vazia. Estava ainda mais vazia do que quando a deixei, prometendo não voltar tão cedo e sem você. Os poeminhas chorosos ainda continuavam amontoados no canto da mesa, com exceção de alguns espalhados pelo chão, que voaram com o vento quando abri a porta. Tudo estava no mesmo lugar, até a saudade que eu havia deixado ali, passeava tranquila por cada cômodo, dando a estranha sensação de que talvez, você não sentisse mais a minha falta. E acho que não sente mesmo. Dessa vez, você não vai voltar.
        Então começo a pensar em como seria se eu também não voltasse. Começo a pensar no moço da estrada, e se eu o veria de novo. Começo a pensar em como seria, se eu parasse de escrever sobre você: se voltaria apenas para brigar e retomar o seu lugar, ou se não se incomodaria, como se não se importasse mais com o que eu penso.
        O silêncio aqui se faz tão assustador, que o martelar do ponteiro do relógio velho me assusta a todo tempo, e o bater da chuva fina nas nossas janelas me faz tremer e lembrar de que a rua lá fora continua deserta. Dessa vez, moço, não prometo, mas talvez eu vá mesmo embora. Vou embora do que sobrou da nossa vida. Vou partir porque não quero colecionar febres e nem ficar te procurando em outros moços por aí.
É tarde, meu bem, e nosso amor voou. Escapou por entre os nossos dedos, quando pessoas sãs tentaram acabar com nossa loucura, e tomaram o meu lugar. Então, agora, quem se retira sou eu. Estou desistindo amor; abandonando o barco, ou chame como quiser. Afinal, corações vazios por aí, encontrarei jogados aos montes… e então contarei de você, e do moço da estrada, que tinha os seus olhos. Falarei da lua, e dos versinhos que compus para o final daquela sua canção em tom de C, que eu não cheguei a tocar pra você. Falarei do quanto nos amamos, contarei histórias em meio a sorrisos - coisas que ninguém acreditará - e vou chorar sozinha, relembrando de quando jurei que dessa vez, seria eterno.
        Daqui pra frente vou me martirizar aos sábados, trazendo à lembrança a primeira vez que você partiu; e a tristeza virá me visitar. Mas tristeza passa, moço… E então, na segunda, fingirei estar bem e feliz, sorrindo como antes, e com o mesmo coração vazio que tinha, antes de te encontrar por aí; só que agora, ele está partido, e eu, sem vontade do café amargo pelas manhãs…


( C. Chriss – 17/11/12 – 01:16h )

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